agosto 31, 2012

inspiração: texto sobre fazer brinquedos e bonecas


Me deparei com este texto, escrito por Rony Cácio, no site Garota Prendada. Talvez porque eu esteja envolvida neste universo, talvez porque acredite nessas ideias, essas palavras me tocaram e fizeram viajar para lugares que não sabia que existiam em meu imaginário. 

Inicialmente não ia postar aqui, pensei em deixar salvo nos rascunhos das postagens para que eu pudesse ler de vez em quando (não sou a favor de copy&paste). Mas o que é belo deve ser compartilhado e este espaço é como meu bloco de anotações onde guardo com carinho tudo o que passou por mim e, de alguma forma, deixou alguma semente de inspiração. 

Deliciem-se.

A FLOR DO PANO 

Os brinquedos eram feitos em casa, artesanalmente, até o final do século XIX. Rudimentares, simples, mas ricos em significados e magia, num tempo em que o ser humano não tinha muitos recursos. As fábricas de brinquedos tiveram origem na Europa; a primeira fábrica de bonecas surgiu na Alemanha por volta de 1413. A evolução tecnológica e industrial também afetou a fabricação dos brinquedos, e a descoberta de novas matérias e tecnologias, os fizeram passar de apenas artesanais, para também manufaturados. 

Existem bonecas de plástico duro, de papel, de metal, porcelana, vinil, madeira, biscuit, papel machê e as bonecas de pano. 

As bonecas de pano são comuns no imaginário nordestino, nas feiras livres eram vendidas em cuias de lata, sentadinhas, e sempre com um boneco de pano, ao lado. 

Nos anos 30, bonecas de pano eram confeccionadas por costureiras e artesãos, enchidas de algodão, palha, maravalhas e também eram usadas para espetar agulhas e os alfinetes, para que estes não se perdessem. 

Estas rudimentares bonecas, em Negras, sertanicidade pernambucana, eram confeccionadas por mães e tias, embaixo de uma frondosa algarobeira, juazeiro ou imbuzeiro, com restos de retalhos, presenteadas aos entes, para exercitar a maternidade e, quando vinham acompanhadas do boneco de pano, já no preparo do pretenso casamento. 

Quem nunca desejou ter uma Emília – boneca de pano recheada de macela – do fabuloso Sítio do Pica pau Amarelo, de Monteiro Lobato? 

Com a ascensão dos industrializados, e gerações dominadas pelos brinquedos eletrônicos, a boneca de pano traz um saudosismo. 

Recentemente fui a uma exposição no Museu da Resistência, no DOPS, que fica no prédio da estação Júlio Prestes em São Paulo. Chamava-se “Arpilleras”. É uma técnica têxtil com raízes numa antiga tradição iniciada por um grupo de bordadeiras de Isla Negra, litoral chileno. Neste trabalho, retalhos e sobras de tecidos são bordados sobre sacos de batatas ou de farinhas. 

As “arpilleras” fazem referências aos valores da comunidade e aos problemas políticos e sociais, e eram uma forma de comunicação das mães dos presos políticos na década de 80, com o próprio país e fora dele, sobre o que estava acontecendo. Eram cenas de denúncias das angústias dessas mães, e tinham pequenos bolsos no verso, que serviam para o envio de bilhetes aos filhos presos. Ao ver esta exposição, fiquei emocionado, pois a técnica era a mesma feita pelas mães e tias das cabroxas lá de Pernambuco; uma recheia suas bonecas de pano de ludicidade, e a outra, da luta pela verdade e pela justiça. 

O brinquedo, é um dos maiores poluidores do planeta, pois rapidamente entra em obsolescência, e a quantidade de cacarecos que recebemos dos países que exportam estes produtos é enorme. Aprofundando nossa reflexão, mais do que ‘mudar hábitos’ precisamos ‘resgatar hábitos’ e voltar a fazer nossos brinquedos com urgência. (Rony Cácio)


Rony é integrante da ONG Reviramundo que atua com Direitos Humanos, Cultura, Educação, Sustentabilidade e Direitos Indígenas. Foi ele que costurou essa boneca da foto. Vestida e finalizada pela Graziella Moretto, do site Garota Prendada, a boneca foi rifada numa ação para arrecadar recursos para os projetos da ONG.

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